terça-feira, 31 de agosto de 2010

Olhos de gato



Aquele rapaz...
se eu soubesse me fazer de puta... seria tão fácil quanto. Acontece que não passei nem do primeiro estágio, isto é segredo. Como em outras situações, foi dentro do ônibus cheio que o avistei. Decerto que, vê-lo novamente, seria muita coincidência. Pensei nisto ao começar a observá-lo.
Lindo! Parecia um argentino. Camisa azul clara, jeans desbotado, mochila pendurada nos ombros. Ar de garoto. Cabelo de anjo meio desgrenhado, mediano. Barba por fazer e uns olhos! Olhos verdes ou azuis, tons meio confusos...olhos de gato.
As pessoas se espremiam na condução, e ele de pé, era um deles. Enquanto, eu estava sentada, debruçando o corpo no banco e a cabeça na janela.
Ele flertou comigo, durante horas...eu disfarçava, essa coisa de mulher que se faz de difícil...mas logo, me pegava presa em seus olhos, seduzida talvez.
Soltei os cabelos, joguei a franja pra traz, fiz charme... Até que nos prendemos de vez em olhares viciados, sem desvios. O homem sentado ao meu lado dormia. Assim, o rapaizito se chegou mais pra perto de mim sem nenhum receio. Sorrimos. Ele deu aquela piscadinha e uma risada de canto da boca.
O ônibus corria, e por isso, ele se equilibrava na minha frente. Teve que se segurar no banco, devido a uma freada brusca, inesperada. Então, pude notar a sua mão esquerda, um anel de prata, um sinal de cruz, escrito Jesus e mais acima, a aliança.
Quando me olhou novamente, apontei na minha mão esquerda o dedo, demonstrei minha insatisfação e balbuciei de perto:
_ Você é casado?
Ele fez com a cabeça que sim, como se lamentasse e disfarçando disse:
_Então? Nada a ver...
Balancei a cabeça e soletrei entre os dentes, baixando a voz:
_ SA-Fa-do.
Ele apontou para si e me indagou:
_Eu?
Puxa...fiquei envergonhada. Mas ao mesmo tempo, uma vontade doida de agarrá-lo pela mão e descer do ônibus. Levantei a cabeça e passei a fitá-lo por entre os vidros da janela, sua imagem refletida...ele percebeu e me correspondeu sorrindo. Foi quando o seu celular tocou. Tava na cara que era ela. Ele se justificava, dizendo estar preso no trânsito e não em meus olhos...Desligou e se despediu. Se apoiou ao banco por mais uma freada brusca. A mão esquerda em evidência. No dedo, o anel de prata, uma cruz cravada com o nome de Jesus... Mais acima, a aliança sobre meus olhos e todos os valores preciosos esquecidos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010








Relicário do amor

carregas do lado esquerdo, um coração

e do lado direito,

a dor de todos os males.


Com ímpeto, se obriga

Com força, arrancas do peito

o cordão que unia a medalha,

lançando-a ao mar.


Lá do fundo, relicário é concha.

Retratos são sorrisos

imersos em águas passadas.


Do cais, a muralha empedrada

No porto, embarque e

desembarque da vida.


Ps: De nada me serve os sonetos.
É apenas uma vaidade colecionada.