quinta-feira, 31 de julho de 2008

Olha o que o ócio provoca...

Não quero somente escrever poesias e contos aqui e ficar passando avaliações...
“Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser", já dizia Rodrigo S.M. ou melhor, Lispector em A hora da Estrela. Estou realmente cansada...não sei se é porque chega agosto, não aprendi a ter paciência, reclamar é grito na consumação do tempo. Meu itinerário habitual não tem dado conta das minhas ânsias.
A repetição monótona das mesmas coisas me fazem cavar úlceras que não tenho, ruminar problemas. Assuntos controversos ainda não satisfatoriamente respondidos me cercam. Deveria então colar na testa manuais de normas e procedimentos? Já fui acusada de ser tão sisuda, comigo mesmo tenho saído na porrada. Por isso, as idéias me vêem derrapantes e sem conexões.
Sou um ser desencaixado na vida!? Minha crise é particular. Com direito a espelho quebrado e copos lançados à parede. Um ser em crise, se esfaqueando aos poucos no estado de incertezas. Não me pergunto, quem eu sou? Mas é como se martelasse na cabeça a eventual pergunta.
Me mortificar? Dá licença que tenho minhas penitências, são minhocas vivas em terra adubada.
Sei revolver meu abismo que me separa da idéia otimista da vida. Quando comentam: deixa de ser pessimista. Respondo: Eu sou realista. Devo incomodar desastradamente e ao mesmo paralisar feito estátua de gelo petrificada. Olha o que o ócio provoca...


Andréa de Azevedo.

domingo, 27 de julho de 2008

Confissão

Bênção, seu padre! E aí, é sempre assim... o desconhecido entra na minha vida, me faz mulher satisfeita e depois quer me ignorar. O que quer com isso? Eu não sei. Se eu soubesse o que se passa na cabeça dele... Ah, eu não seria tão tola. Dizer o que ele é meu ... meu amigo, meu amante, meu querido desconhecido. Meu? Acho que não. Ele é do mundo, tem vida, tem objeções. Talvez eu o agrade, talvez eu lhe dê prazer. Mas de manhã, ele levanta da cama e sai como se nada houvesse acontecido. Sai também e deixei a porta aberta, nunca se sabe o dia que terei que voltar. Voltar para os seus braços? Volta para suas mãos? Eu não terminei, nem ele terminou, nem mesmo começou de verdade... O que eu chamo de inacabado é relevante.
Seus olhos desconhecidos me domavam. Involuntariamente em seus braços, o mundo ficava estático e existíamos como únicos. Pensar no mundo... eu já não o queria. A vida estava tão cheia de nódoas, isso me dava mal estar. Eu resistia ao convencional enquanto, meu marido me esperava em casa para fazer o jantar. O marido? Só de boca mesmo, seu padre. Ele reagia como se eu fosse mais um objeto da casa.
Já o desconhecido, é quem me satisfaz. Devo contar-lhe que o conheci no ônibus. Dia desses, me sorriu e colocou um par de brincos na minha orelha. Os brincos eram borboletas rosas, elas voavam no balançar do meu andar... E a liberdade quase que compulsiva dominava esse ato me levando para longe, longe dele. Eu mal pude evitar, mas sugeri que se aproximasse e abriu a palma da mão. Ali pousou uma borboleta rosa me trazendo de volta, de volta pra ele.
E é ele, o desconhecido que me apareceu quando eu olhava a chuva cair pelo vidro da janela do ônibus. Sentou-se no banco ao meu lado, me olhou e parou no meu olhar, queria dizer algo, mas não conseguiu de imediato.
O silêncio inicial foi quebrado, com a voz entrecortada perguntou-me as horas, desculpa tão banal! Permiti que entrasse na minha vida quando respondi: É... são nove e trinta e um.
Levantou-se do banco do ônibus indo à direção da porta, subitamente retornou e disse:
_ Pode ser que nunca mais lhe veja e perca em ti meus olhos, por favor: nome e telefone!
Resisti e pensei no absurdo de dar tal liberdade para um desconhecido, mas logo me dei como envolvida, foi inevitável. O desconhecido do ônibus viu e sabia muito bem que eu trazia o meu compromisso no dedo, o que não foi empecilho para uma eventual proximidade de sua parte.
O ônibus sacolejava fazendo movimentos repetitivos nas curvas enquanto que os olhos daquele homem abriam cada botão do meu vestido ensopado, colado ao corpo por causa da chuva que peguei antes de entrar na condução.
Fechei os olhos para não lembrar, mas estava lá aqueles olhos retidos na minha retina pedindo para ficar mais uma vez, quem pode julgar isso um erro se o corpo pede e a fisionomia muda.
Não me importo com esse jeito dele, de... homem carente que nada tem, cuja identidade se ignora. Nem a sua barba me incomoda. Quando me toca a face esqueço toda a fatiga do mundo e só ele está ali, nada mais. Mas o que têm feito com isso? Se guardas os momentos com valor sentimental ou os apaga por esquecer, não sei. Porque nem da verdade eu sei, seu padre. Sei que às vezes perco a razão por querer declarações eternas.
E o ônibus, andava no primeiro encontro. Levava com as suas quatro rodas um caso de amor? Eu sei que ali nasceu um desejo insuportável, daqueles bem gostosos que costumam marcar a pele.
O estranho do ônibus é inconstante, é o meu inconstante, é ele o devaneio de muitas moças, um homem viril, lascivo capaz de trazer o sangue na boca mordida pelo beijo selvagem. Espero tê-lo entre outras viagens.
Após escutar toda a confissão, o padre saiu do confessionário e olhou bem para a mulher e disse, meio sem jeito:
_Oi.
Deparando-se com a imagem do padre, vendo que era ele o desconhecido do ônibus, a mulher caiu em prantos. E correndo pela igreja em direção da porta, rezou três ave-marias e foi pelo caminho, certa de que jamais poderia vê-lo.

Andréa de Azevedo.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Por um fio

Mora e não tem casa.
Deita e não dorme.
Corre e não chega.
Começa e não pára.

Sente e não toca.
Come e não engorda.
Beija e não ama.
Pensa e não fala.

Eventualmente: chora.
Quase sempre, rir.

Afina ou desafina?
Vive ou morre?

Um fio de limite
Um fio de sensatez
É. Quem sabe.


Andréa de Azevedo.
Na insônia filha da puta da noite acabo brincando de ser escritora que não sou. E o que vou ganhar? Um aplauso mudo do meu ego? Nem isso. Talvez algumas mentes curiosas me leiam. Que essas palavras levem meu sonhos, pois o meu sono se foi. Escrever... sem chegar a lugar algum é... mais um ato solitário de minha parte. E si devo ou não, ninguém disse. Tenho o sono perdido, acendo uma vela para confabular com a sombra da chama. Vai parecer que falo sozinha, vai parecer insano. Mas o que conto, não sei bem dizer, costuro palavras. Pessoas acreditam em inspiração: o fato criado e um autor. Inspiração é mito. Não vou definir de verdade. Prefiro o improvável, tenho gosto pelo que não vejo. A vela me olha e se encurva com o vento que nela bate. Quero impedir que sua chama me queime porque estamos muito próximas. Reflito... e a vela reflete. A sua imagem sem rosto vaga em meu pensamento como uma personagem do inconsciente. No inconsciente, existem desejos algemados que desconheço e reencontro talvez quando sonho. Tenho alucinações... a cama fica marcada pelo espaço de um corpo que ali não se deita mais. São três horas. A vela está acesa e o céu já começa clarear, ouço a gota d’água pingando da bica de casa, ouço o silêncio. Não vivo somente de descrever impressões. Quero escrever, mas não como ritual. Quero escrever sem pensar em sintagmas e concordâncias. Quero escrever sem a precisão de um poeta parnasiano. Vamos deixar de questionar a existência, isso já se desgastou. Reflito e a vela reflete... como se guardasse respostas. Nem tudo que é questionável apresenta respostas. Então, apago a vela e o sinal da interrupção surge.

Andréa de Azevedo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Farelos

O dia em que se está
é isolamento.
Vasto espaço ermo, sem população humana.
Um átimo de silêncio.
Privação voluntária, pessoal. Uma via a qual atravesso.
A cada sinal, estreita-se o tempo equivalente.
É diálogo meu.
E a vida se movimenta,
dizem até que a Terra não para de girar. Nela, habitam corpos cansados.
Pés se apóiam ao chão.
Olhos se cruzam permitindo desvios.
Garganta ferida com o punhal. A vida é uma aparição.
Mas no caminho da rua para casa, é deserto.
Cato farelos de sonhos
Cato farelos de amores
Tenho os meus flagelos.
Cato farelos e vou à toca para mastigá-los.
Cato farelos da toca e os pedaços não sei repartir.
Mas posso contá-los.
Contá-los a minha consciência.
Não faço análise para descobrir quem sou.
Essa é uma resposta que nunca vou obter,
minha constante fusão se perde em minhas variações.
Diversos papéis são executados,
e é preciso ainda ter educação ao sentar à mesa.
Curtas amizades se vão, queria ter criado raiz.
Por que as relações amistosas se tornam desconhecidas?
Não faço análise para descobrir quem sou,
cato farelos às escondidas,
em uma cena muda,
quase pantomima.
Sou o dançarino solista que dança de pernas quebradas
e se relaciona reciprocamente
ao tom harmônico da vida.

Andréa de Azevedo.

Desengavetados

A idéia me surgiu quando um poeta amigo me falou "quero minhas poesias expostas no mundo". Por isso, decidi e dei razão. Chega de engavetar idéias !! Elas devem ser expostas no mundo. Retiro os poemas, as prosas e os contos das gavetas. Retiro das gavetas da minha casa, dos compartimentos que me prendem a alma, essas palavras que me seguem. O fluído de uma manifestação verbal escrita que não se limita e deseja preencher suas lacunas.
Sintam-se a vontade! As gavetas estão abertas. Vasculhem minúcias, critiquem, aprovem e desaprovem. O que me importa é expor pensamentos que estavam guardados e compartilhá-los com o mundo.